Ele tem 77 anos. Há 11 anos, luta contra o câncer. E um mês atrás passou 18 horas numa mesa de cirurgia. O vice-presidente da República José Alencar concedeu uma entrevista exclusiva ao repórter José Roberto Burnier. Na verdade, foi uma lição de vida.Vice-presidente conversou com José Roberto Burnier.
Passos firmes. Sorriso no rosto. Nem parece o homem que 34 dias atrás enfrentou uma das mais longas e complexas cirurgias da medicina. O vice-presidente José Alencar está em recuperação pela nona vez.
"Eu ainda tenho um pouco de cansaço, que vem de várias fontes, uma delas é o próprio tratamento. A quimioterapia traz diversos efeitos colaterais, entre eles o cansaço. Mas estou me sentindo um pouco melhor", diz Alencar.
Há pouco mais de onze anos José Alencar luta pela vida. Foi em um exame de rotina que o vice-presidente descobriu os primeiros tumores malignos, em 1997. O rim direito e dois terços do estômago foram retirados. Cinco anos depois, outro tumor, desta vez na próstata, que foi removida. Em julho de 2006, um sarcoma – um tumor maligno – apareceu no adbomen. Apesar de removido, o tumor voltou quatro meses depois.
Em 2007, o vice-presidente foi operado outra vez.
Mais um ano e o sarcoma voltou a se formar. Pela oitava vez, José Alencar foi para a mesa de cirurgia.
No mês passado, os exames revelaram que o tumor continuava crescendo no abdômen. A alternativa apresentada pelos médicos: uma cirurgia radical e complexa. A mais longa e difícil na vida de José Alencar.
"Não foi nenhum heroísmo. Eu tinha que tomar essa decisão, não podia escolher entre operar ou não operar. Eu tinha que operar. Então, não foi nenhuma decisão corajosa, foi uma decisão lógica. Eu não estou habituado a coisas fáceis. Sempre me deparei na vida com problemas difíceis e nunca deixei de enfrentá-los", conta o vice-presidente, que sempre discutiu abertamente as alternativas com a equipe médica. Ele sabia que corria um alto risco de morrer na operação e até assinou um documento, autorizando todos os procedimentos necessários.
"Eu não tenho medo da morte, tenho medo da desonra. A morte é um fenômeno natural. Assim como você nasce, vai morrer um dia. Não temos que pensar nisso de forma alguma. E você vai viver o tempo que Deus quiser que você viva. Eu não posso, de forma alguma, pensar que vai acontecer alguma coisa comigo sem que Deus queira. E se Deus quiser, inclusive que eu morra, é porque vai ser bom para mim. Porque Deus não faz nada ruim contra ninguém", acredita José Alencar.
A caminho da cirurgia, ainda não totalmente sedado, José Alencar percebeu uma certa apreensão na equipe e reuniu o que ainda tinha de forças para chamar a atenção dos médicos.
"Ele perguntou: 'O que está havendo? Por que vocês estão desanimados? Aqui não há lugar para desânimo. Vamos todos com fé, coragem e ânimo, porque nós não podemos recuar da operação'", lembra o vice-presidente.
O médico Ademar Lopes, com 31 anos de experiência e mais de oito mil cirurgias de tumores, chefiou uma equipe de 12 pessoas.
Como a previsão era uma cirurgia complexa, o corte foi feito em duas etapas: um de cima para baixo, de cerca de 30 centímetros; e outro do umbigo até as costas, na coluna vertebral.
Para facilitar o trabalho, o vice-presidente foi colocado ligeiramente inclinado para a direita. Ao abrir o abdômen, o cirurgião viu que, de fato, o câncer ocupava quase todo o lado esquerdo. Ele encontrou e retirou dez pequenos tumores.
Depois, o médico deslocou o único rim do vice-presidente e começou a remover o tumor principal.
Comprometidas por causa da doença, partes dos intestinos grosso e delgado e do ureter – o canal que liga o rim à bexiga – foram retirados. Os médicos refizeram o canal com tecido do intestino grosso.
Dez horas depois, a parte mais delicada e complexa: o tumor havia tomado toda a região dos vasos ilíacos, responsáveis por levar sangue à bacia e às pernas. Por menor que fosse, qualquer imprecisão com o bisturi poderia provocar uma hemorragia irreversível. A região é chamada pelos cirurgiões como "o ponto da morte".
"São veias de grosso calibre, que, quando sangram, sagram muito. E muitas vezes isso nos dá medo. Naquela hora seria até muito cômodo parar e voltar. Mas aí veio a responsabilidade do cirurgião oncologista. Voltar seria depois dizer ao vice-presidente e à sua família que nós não tiramos todo o tumor. A notícia para ele seria desastrosa", explica o cirurgião Ademar Lopes.
Por fim, durante mais uma hora e meia, os médicos adotaram um procedimento poucas vezes feito no Brasil: a quimioterapia hipertérmica. Todo o abdômen foi lavado com o próprio medicamento a uma temperatura de 42ºC. Nessa temperatura, aumentam as chances de o remédio matar as células do tumor. Foram quase 18 horas na mesa de operação.
Quem não saiu do lado dele durante todo esse drama foi dona Marisa, sua mulher há 51 anos. Uma força que evita algumas travessuras.
"Ajuda tanto que às vezes atrapalha, porque não me deixa fazer nada. Por exemplo, não me deixa tomar um gole de bebida. E eu digo para ela:’mas já tem 30 dias desde a operação’. E ela diz que não", conta o vice-presidente.
Na luta contra a doença, José Alencar descobriu que a torcida por ele vai além da família.
"Todos os brasileiros têm me ajudado muito. A torcida deles por mim me deixa emocionado. Determinadas mensagens que eu recebo me deixam emocionado. É uma coisa lindíssima. Não são pessoas com quem a gente lida no dia-a-dia. São pessoas que moram longe nesse Brasil enorme", emociona-se.
Ele agradece a Deus. E não pede nada.
"Deus não deve. E nem eu quero que Ele me dê nem um dia de vida a mais de que não possa me orgulhar. Se Deus achar que a minha vida pode ser útil e me der mais um dia de vida, eu fico naturalmente reconhecido e vou procurar fazer que esse dia seja útil", explica.
Aos 77 anos, o que o cidadão José Alencar espera da vida daqui para frente?
"Espera legar um herança da qual seus herdeiros possam se orgulhar, mais nada", revela.
5.3.09
José Alencar fala sobre a luta contra o câncer
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